Aqui morava a dor, mas agora mora a luz.
- Flora Dominguez
- 4 de fev.
- 2 min de leitura
Sempre tentei esconder a dor. Acreditei que, se não olhasse para ela, talvez um dia desaparecesse por conta própria, como folhas secas levadas pelo vento. Mas a dor não se dissolve assim, em um passe de mágica. Ela se acomoda, se ajusta aos cantos mais escuros da alma, silenciosa, paciente. Fica ali, esperando o momento certo para se fazer notar.
Por muito tempo, empurrei minha dor para debaixo do tapete, como quem esconde a bagunça antes que alguém chegue. Acreditei que, se não falasse sobre ela, se não olhasse diretamente para suas bordas inflamadas, ela deixaria de existir. Mas a verdade é que a dor esquecida nunca some. Pelo contrário, cresce em silêncio, cria raízes, ocupa espaços dentro de nós. E um dia, quando menos esperamos, o chão cede.
Foi assim que aconteceu comigo. Um dia, não havia mais como fugir. O peso do que tentei esconder se tornou insustentável. E quando o chão sob meus pés finalmente ruiu, percebi que não havia mais escolha: eu precisava olhar para dentro. Precisava tocar as feridas com minhas próprias mãos, encará-las sem medo, dizer a elas: eu vejo vocês.
No início, foi difícil. Doeu mais do que eu imaginava. Porque olhar para a dor significa revivê-la, significa admitir sua existência, significa dar nome a cada marca deixada no corpo e na alma. Mas, à medida que encarei cada uma delas, algo começou a mudar. Percebi que as cicatrizes que tanto temi não eram feias. Eram histórias. Eram testemunhos silenciosos de batalhas que, um dia, lutei e sobrevivi.
Aprendi que a cura não vem da negação. Ela vem do toque, do olhar compassivo para dentro, do abraço que damos a nós mesmos quando finalmente paramos de fugir. A cura acontece quando aceitamos que a dor fez parte de nós, mas que não precisa definir quem somos.
E, com o tempo, percebi que cada cicatriz era, na verdade, um lembrete de superação. Elas já não gritavam como antes. Já não ardiam. Eram apenas rastros do que um dia foi sofrimento, mas que agora havia se transformado em luz.
Hoje, se alguém me perguntar sobre as marcas na minha pele – e dentro de mim – não hesitarei. Direi sem medo: aqui morava a dor, mas agora mora a luz.
Texto escrito pela Psicanalista Clinica Flora Dominguez

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