O que sofremos na infância, levamos para a vida adulta.
- Flora Dominguez
- 23 de set. de 2023
- 3 min de leitura
Aos 39 anos descobri que minha infância me causou inúmeros problemas, mas só fui ter certeza quando acessei minhas lembranças. Aos poucos fui percebendo que ainda criança não me sentia parte da minha família. Sempre pensava que estava na casa errada e com os pais errados, com os irmãos errados, era uma sensação de ter sido sequestrada. Como pode uma criança aos quatros anos ter esse sentimento?
Essa pergunta ecoava em minha mente enquanto eu me afundava cada vez mais nas profundezas do meu passado. A sensação de não pertencimento era avassaladora, como se eu fosse uma estranha em meu próprio lar. Aos poucos, os fragmentos da minha infância começaram a se unir, revelando um quadro perturbador.
Lembro-me dos momentos em que ainda observava outras famílias, com seus laços fortes e afetuosos, e me perguntava por que não era assim comigo. Era como se eu estivesse vivendo uma realidade paralela, onde as conexões emocionais eram frágeis e superficiais. Essa constante sensação de deslocamento moldou minha personalidade de maneiras inimagináveis. À medida que crescia, percebi que essa falta de pertencimento estava enraizada em questões mais profundas. Minha família parecia estar sempre preocupada com suas próprias vidas e problemas, deixando pouco espaço para a expressão das minhas emoções ou necessidades. Eu me sentia invisível e silenciada.
A terapia entrou em minha vida como uma luz no fim do túnel escuro da minha infância conturbada. Sob a orientação cuidadosa de uma terapeuta experiente, comecei a explorar as camadas mais profundas da minha psique. Foi um processo doloroso, mas necessário para compreender as raízes dessa sensação persistente de inadequação. Descobri que o sentimento de ter sido sequestrada na minha própria família estava relacionado à ausência de vínculos emocionais saudáveis durante meus primeiros anos de vida. A negligência emocional e a falta de envolvimento afetivo dos meus pais contribuíram para a formação de uma ferida profunda em minha psique.
Aos quatro anos, uma criança está em pleno desenvolvimento de sua identidade e senso de pertencimento. É nessa fase que ela começa a internalizar os valores e crenças familiares, construindo as bases para sua autoestima e confiança. No entanto, no meu caso, essas bases foram abaladas desde o início. A falta de conexão emocional na minha família deixou marcas profundas na minha personalidade. Cresci com uma constante necessidade de validação externa, buscando freneticamente aprovação e reconhecimento dos outros. Minha autoimagem estava distorcida, pois eu não tinha um espelho emocional que refletisse quem eu realmente era.
A terapia me proporcionou um espaço seguro para explorar esses sentimentos complexos e confrontar as feridas do passado. Ao mergulhar nas memórias dolorosas da minha infância, pude reconstruir minha história sob uma nova perspectiva. Compreendi que não era culpa minha sentir-me deslocada, mas sim resultado das circunstâncias que me cercavam. Ao longo do processo terapêutico, aprendi a acolher minhas emoções e a valorizar minha própria voz. Descobri que posso construir laços afetivos saudáveis não apenas com outras pessoas, mas também comigo mesma. Aos poucos, fui encontrando meu lugar no mundo e ressignificando a sensação de pertencimento.
Hoje, olho para trás com compaixão por aquela criança perdida que um dia fui. Reconheço que a jornada da cura é contínua e que as marcas do passado algumas desaparecerão completamente e outras aprendi a gerenciar com muita autocompaixão. No entanto, hoje tenho as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios da vida de forma mais resiliente e autêntica.
A terapia me ensinou que a infância pode ser um terreno fértil para o surgimento de questões emocionais complexas. Ela nos convida a mergulhar nas profundezas do nosso ser, em busca de respostas e compreensão. Através desse processo, podemos transformar nossas feridas em sabedoria e encontrar uma nova narrativa para nossas vidas. Portanto, mesmo diante dos problemas causados pela minha infância, hoje sou grata por ter tido a coragem de explorar essas memórias dolorosas. Através da terapia, encontrei uma voz para expressar minhas angústias mais profundas.
Essa foi minha experiência que compartilho contigo com muito carinho. Se tudo que falei faz algum sentido para ti e você se encontra perdida(o) entre em contato e marque uma conversa comigo ou com meu esposo que também é psicanalista. Não se deixe pelo caminho!
Com todo meu amor,
Psicanalista Flora Dominguez

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