O que é a coragem afinal?
- Flora Dominguez
- 8 de out. de 2024
- 3 min de leitura
"Coragem para viver." São palavras que soam bonitas, quase poéticas, quando ditas assim, de longe, como quem observa o mar calmo. Mas e quando o mar está revolto? E quando a vida, em vez de poesia, se transforma em um campo minado, onde cada passo é incerto e cada escolha traz consigo um risco? A coragem para viver, então, deixa de ser palavra para virar gesto, ação, movimento silencioso, quase imperceptível, mas que muda tudo.
O que é coragem, afinal? Não é sobre gritar aos quatro ventos que se está forte, que se pode suportar tudo. Não, isso é vaidade, uma máscara que usamos para fingir que não temos medo. Coragem é acordar no meio da noite, sentindo o peito apertar de medo, e ainda assim se levantar. Coragem é olhar para o abismo, para o vazio que às vezes se abre dentro da gente, e dar um passo à frente, mesmo sabendo que não há garantia de nada.
Eu queria te dizer que a coragem é um ato grandioso, um salto heroico, mas não. A coragem está no detalhe, está no silêncio, está na respiração que você toma quando tudo ao seu redor parece ruir. Está na escolha de continuar, mesmo quando continuar parece absurdo, inútil, doloroso. Coragem é olhar para o espelho e aceitar que você tem medo, sim, e que talvez nunca vá deixá-lo completamente para trás. Mas, mesmo assim, decidir ir em frente.
Você já parou para pensar nisso? No que significa verdadeiramente viver? Não estou falando de sobreviver, de passar os dias como se fossem folhas arrancadas do calendário, como quem espera que algo ou alguém venha mudar tudo. Estou falando de viver, de se entregar ao risco, ao desconhecido, de sentir o medo e ainda assim abrir a porta. Porque viver é um ato de coragem em si, é um enfrentamento constante com tudo o que nos assusta.
Há dias em que viver parece um absurdo, não parece? Os medos nos assombram, o futuro se desenha incerto, e as memórias pesam no peito. E, nesses dias, é fácil se encolher, se esconder, fingir que não existe. Fácil é esperar que o tempo passe, que as tempestades se acalmem por conta própria. Mas a vida pede mais. Ela pede que você, mesmo tremendo, estenda a mão e toque o que te apavora. Que você olhe nos olhos daquilo que te paralisa e, mesmo sem palavras, continue a caminhar.
E não, a coragem não é uma constante, uma chama que se mantém acesa o tempo todo. Às vezes, ela vacila, quase apaga. E é aí que a gente aprende que a coragem não está em nunca ter medo, mas em, mesmo tendo, continuar. É caminhar no escuro, tateando as paredes, aceitando que não se sabe para onde vai, mas que se vai. É não desistir de sentir, de amar, de errar, de cair e levantar, e cair de novo.
Viver exige essa coragem sutil, quase imperceptível, que se faz presente no meio do caos, que se manifesta no silêncio de quem escolhe seguir em frente, mesmo quando tudo parece perdido. É um ato de fé, e não há nada mais humano do que isso. Porque a vida é essa dança incerta entre o medo e o desejo, e a coragem está em se permitir dançar, ainda que os passos sejam vacilantes, ainda que o chão pareça ceder.
Então, se você me perguntar o que é a coragem para viver, eu te diria que é acordar todos os dias e, com o coração pesado ou leve, escolher viver. É aceitar que nem sempre vai ser fácil, que às vezes vai doer, e que o medo pode, sim, te acompanhar. Mas a coragem está em não deixar que ele seja maior do que a sua vontade de continuar. Está em entender que a vida é feita de instantes, e que, em cada um deles, você tem a chance de escolher, de se abrir, de sentir. E, talvez, no fim das contas, seja só isso: a coragem de viver é a coragem de se permitir estar vivo, com tudo o que isso implica. E viver, meu caro, é sempre, sempre, um ato de coragem.
Crônica escrita pela Psicanalista Flora Dominguez

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