"O Sutil Ofício de Soltar"
- Flora Dominguez
- 4 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
Deixar ir... Há uma beleza melancólica nesses dois pequenos verbos, um aceno suave de mão para algo ou alguém que se afasta no horizonte da vida. Parece ser a mais dura das lições humanas, esse desapego silencioso de folhas que a árvore solta no outono, sabendo que não voltarão na primavera.
Quando falo de deixar ir, não me refiro apenas ao adeus entre amantes, mas ao abandono de velhas peles, àqueles pensamentos que já não cabem mais em nós, aos medos que foram confortáveis por tanto tempo que começamos a chamá-los de amigos. É um exercício de esvaziar os bolsos da alma, de tirar o pó dos cantos escondidos do coração, onde guardamos pequenas lembranças e grandes dores.
Deixar ir é também deixar vir - permitir que o novo entre. Mas que batalha interna é essa! É a luta do ser contra o próprio ser, o desejo de reter o que já está indo embora, as memórias que se agarram às cortinas da mente como a luz do entardecer se agarra ao céu que escurece.
Como se faz, então, para deixar ir? Ah, é preciso coragem para abrir os dedos que se fecham em torno do imutável, para não olhar para trás como a mulher de Lot, para não se petrificar na própria dor. O processo é lento, quase imperceptível. É uma arte delicada, como aprender a dançar conforme a música que a vida decide tocar, mesmo quando falta ritmo, mesmo quando a melodia é estranha.
É preciso entender que há coisas que, embora belas, não foram feitas para serem seguradas com força, mas admiradas enquanto estão ali, na palma da nossa mão, por um segundo efêmero. Deixar ir não é um ato de fraqueza; é a mais pura forma de respeito pela ordem natural das coisas, é reconhecer que o rio da vida segue seu curso, e que, às vezes, o que amamos deve seguir com ele.
No fundo, talvez deixar ir seja um ato de amor - o mais puro que existe. Amar tanto algo ou alguém a ponto de desejar sua liberdade acima de nossa própria vontade de manter, segurar, possuir. E, nesse ato de amor, encontramos nossa própria liberdade. Pois no momento em que soltamos as amarras, descobrimos que quem estava realmente preso éramos nós.
E assim, pouco a pouco, aprendemos que no fim, tudo o que deixamos ir nos ensina algo sobre quem realmente somos, sobre a vastidão de nossa própria existência. E talvez, apenas talvez, seja essa a grande lição: que somos infinitos em nossa capacidade de recomeçar, sempre.
Texto escrito pela Psicanalista Flora Dominguez

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