"O Voo sobre o Abismo: Redescobrindo o Ser"
- Flora Dominguez
- 4 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
No início, era como se o mundo se abrisse em cores novas e o amor fosse um convite para entrar num jardim secreto. Eu não sabia, na inocência de quem se debruça sobre o abismo confundindo-o com um céu, que as flores escondiam espinhos, e que o perfume era um véu para o odor de algo apodrecendo em segredo.
Ele vinha com palavras que me envolviam como seda e, aos poucos, as palavras se tornavam cordas. Cordas que eu mesma ajudava a tecer, com a ilusão de que eram laços de carinho. E cada palavra dele, que eu pensava ser de amor, deixava uma marca invisível que ardia como ferro em brasa.
Eu me perguntava, na solidão dos meus pensamentos, onde eu havia me perdido. Quando foi que permiti que minhas fronteiras fossem invadidas, meus sonhos fossem minados, minha voz fosse calada? Há um abismo profundo entre ser amada e ser aprisionada, mas quando você está suspensa sobre o abismo, não consegue discernir a queda do voo.
Às vezes, eu o observava enquanto dormia, procurando por traços do homem pelo qual me apaixonei. Mas mesmo em seu sono, havia uma mentira tranquila em seu rosto, uma serenidade que não tocava o coração. Eu estava ao lado de um estranho que conhecia o mapa dos meus medos e sabia navegar pelas minhas inseguranças com a habilidade de um marinheiro antigo.
Os amigos viam, ou suspeitavam, mas é tão difícil penetrar na selva densa de um relacionamento que se fecha sobre si mesmo. "Por que você não vai embora?", perguntavam, sem entender que cada palavra dele tinha se tornado um grilhão, que cada desculpa era uma chave jogada fora.
Era uma dança macabra, onde eu rodopiava esperando que a música mudasse, mas a orquestra só conhecia uma melodia. Até que um dia, a dor de permanecer superou o medo de partir. Eu me vi como alguém que estava à margem de si mesma, e soube que era hora de reclamar meu próprio espaço, minha própria voz.
Deixar foi um ato de nascimento. E a liberdade, ah, a liberdade tinha o gosto doce e amargo de quem descobre que sempre teve asas, mas as usava para cobrir as feridas, ao invés de voar.
Eu renasci das cinzas do que pensei que era amor. E ainda que marcada, eu estava inteira. E estar inteira era um ato revolucionário.
Texto escrito pela Psicanalista Flora Dominguez

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