Sem Objetivo, Nada Acontece
- Flora Dominguez
- 5 de out. de 2024
- 5 min de leitura
Ele era como tantos outros: levantava-se cedo, colocava o café para passar e cumpria com seu ritual matinal de desjejum e leitura das notícias. Observava o mundo rodar lá fora pela janela da sala, enquanto dentro dele tudo parecia suspenso. Não era infeliz, tampouco satisfeito. Vivia num estado entre o que era possível e o que nunca seria. Fazia parte do que se esperava de um homem comum, sem sonhos extravagantes ou ambições desmedidas. Mas, ao longo dos anos, algo começou a corroer sua tranquilidade aparente.
Era quando olhava ao redor que a ausência se fazia sentir. Seus amigos estavam sempre ocupados: abrindo negócios, casando-se, viajando, construindo algo que pareciam acreditar. E ele? O que ele tinha construído? Aos poucos, ele percebia que havia algo que faltava, mas não sabia exatamente o quê. Esse vazio, a princípio, era uma sensação quase imperceptível, uma espécie de eco que ressoava em algum lugar distante, mas que, com o tempo, foi ganhando volume, foi tomando forma.
Sentia-se à deriva. As conversas casuais com os amigos, antes confortáveis, tornaram-se dolorosas. Enquanto eles falavam com paixão sobre os próprios projetos, ele se limitava a acenar com a cabeça, sorrir educadamente e mudar de assunto sempre que alguém perguntava sobre os seus planos. Não tinha o que responder. Ele não tinha planos. Nunca tinha sido movido por grandes objetivos, e por muito tempo isso pareceu suficiente. Agora, porém, esse mesmo desinteresse o tornava irrelevante, invisível até para si mesmo.
Certa noite, deitado em sua cama, o peso do silêncio caiu sobre ele com uma força inesperada. Olhou para o teto, mas não viu nada. Sentiu o tempo escorrendo, e uma angústia rastejante lhe tomou o peito. "O que você fez da sua vida?" — a pergunta surgiu como um sussurro ácido em sua mente. E, pela primeira vez, ele não pôde escapar de si mesmo. O vazio que havia tentado ignorar por tanto tempo estava ali, encarnado naquela sensação de fracasso. Ele, que sempre se considerou equilibrado, percebia-se, finalmente, perdido.
Era fácil viver sem objetivos, mas era impossível viver sem significado. Agora, ele compreendia isso. A vida dos outros parecia cheia de movimento, de decisões tomadas, de conquistas e fracassos, enquanto a dele estagnava como água parada. Cada ano que passava, o abismo entre ele e os amigos crescia. Eles estavam sempre indo em direção a algum lugar, enquanto ele apenas assistia. Sabia que, em algum ponto, perdera o fio que conectava suas ações a um propósito maior, mas não conseguia lembrar quando isso aconteceu. Era como se nunca tivesse tido um plano, como se tivesse deixado a correnteza levá-lo, sem se importar para onde estava indo. E agora, o rio havia secado.
A sensação de fracasso o acompanhava aonde quer que fosse. No trabalho, as tarefas se repetiam sem que ele encontrasse qualquer prazer ou desafio. No tempo livre, os momentos que antes eram preenchidos com livros, filmes e encontros casuais com os amigos, começaram a parecer vazios. Tudo havia perdido o sabor. Era como se ele estivesse preso dentro de si mesmo, sem conseguir escapar dessa prisão invisível, mas sufocante.
Um dia, após um jantar na casa de um velho amigo — onde, mais uma vez, sentiu-se deslocado entre discussões acaloradas sobre novos empreendimentos e projetos familiares — ele voltou para casa com uma sensação nova. Não era mais apenas tristeza ou frustração. Era uma espécie de determinação, ainda que frágil, mas que começava a crescer dentro dele. Enquanto caminhava pelas ruas escuras e silenciosas, sentiu que algo precisava mudar. O que ele não sabia era como, ou por onde começar.
Nas semanas que se seguiram, ele começou a fazer uma coisa que jamais havia feito: escrever. Começou de maneira despretensiosa, quase como uma terapia improvisada. Escrevia sobre as manhãs vazias, as noites solitárias, os anos que escorriam pelos seus dedos. Escrevia sobre o tédio e o medo de que, talvez, sua vida sempre tivesse sido assim, mas ele só agora percebia. No início, as palavras eram confusas, amontoadas em frases curtas e desconexas. Mas, com o tempo, ele começou a encontrar uma linha, uma espécie de voz que parecia guiá-lo, ainda que de maneira incerta.
Foi também por meio dessa escrita que ele começou a relembrar o que lhe havia dado prazer no passado. Lembrou-se de pequenos momentos que, na época, não tinham grande importância, mas que agora pareciam conter uma pista. Lembrou-se dos livros que o fascinavam na juventude, das conversas longas sobre arte e filosofia, das viagens solitárias que fizera sem rumo certo, apenas para sentir a liberdade. Aos poucos, percebeu que o que ele havia perdido era a conexão com aquilo que um dia o movia, com o que lhe despertava curiosidade, paixão. O que ele havia perdido era a si mesmo.
Foi nesse ponto que a decisão veio, quase imperceptível, mas presente: ele precisava de um objetivo, algo para perseguir, não porque os outros esperavam isso dele, mas porque sem isso a vida não passaria de um ciclo de repetições vazias. Mas esse objetivo não precisava ser grandioso. Não precisava abrir uma empresa, viajar o mundo ou ter uma família perfeita como seus amigos. Seu objetivo, ele percebeu, era simplesmente reconectar-se consigo mesmo, com o que o fazia sentir vivo.
Começou com passos pequenos. Acordava mais cedo para ler os livros que havia deixado de lado há anos. Voltou a caminhar sem destino pelas ruas da cidade, deixando-se surpreender pelas paisagens urbanas que sempre estiveram ali, mas que ele nunca tinha verdadeiramente notado. Inscreveu-se em um curso de escrita criativa, algo que o desafiava, mas também lhe trazia uma sensação de renovação.
Com o tempo, a sensação de fracasso começou a dar lugar a algo diferente, ainda que tênue: uma espécie de contentamento silencioso, de paz em meio à confusão. Ele ainda não sabia exatamente para onde estava indo, mas agora sabia que, finalmente, havia um caminho. E isso era o suficiente.
E foi assim, em meio à escrita, às caminhadas solitárias e ao redescobrimento das pequenas coisas, que ele começou a preencher o vazio. Não com respostas prontas, mas com perguntas novas. Não com conquistas grandiosas, mas com a simples busca por significado. E, de repente, o que antes parecia insuportável tornou-se o que dava cor aos seus dias. Afinal, sem objetivo, nada acontece. E agora, pela primeira vez em muito tempo, ele estava acontecendo.
Mas e você? Já parou para pensar qual é o seu objetivo? O que te move, o que te faz sair da cama todos os dias? Muitas vezes, não percebemos o vazio dentro de nós até que ele se torne insuportável. E é nessa ausência de propósito que a vida perde o sentido, assim como aconteceu com ele.
Crônica escrita pela Psicanalista Flora Dominguez
Se você já se sentiu assim, perdido, buscando respostas dentro de si, talvez encontre um reflexo da sua própria jornada no meu livro, "Sobre Nós – Cada Capítulo, um Espelho". Nele, cada capítulo é uma oportunidade de se olhar com profundidade, de enfrentar suas incertezas e, quem sabe, descobrir o caminho que estava procurando. Porque, no fundo, a verdadeira mudança começa quando olhamos para dentro e nos permitimos enxergar quem realmente somos.

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